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Paiva trabalha no restauro de prato decorativo com rachaduras (acima, no detalhe); peça de porcelana data de 1937 vindo de Alcobaça, região de Portugal
Maurício Ponsancini e seu próximo desafio de restauração, radiola da década de 1930, uma das primeiras peças desse estilo em Passos
Paiva trabalha no restauro de prato decorativo com rachaduras (acima, no detalhe); peça de porcelana data de 1937 vindo de Alcobaça, região de Portugal
A arte da
restauração
Reportagem e edição: Keuly Vianney
Fotos: Aluísio de Souza/Keuly Vianney
Arte: Hanna Teixeira
06/06/2019
Artistas afirmam que muitas famílias mineiras estão restaurando peças antigas
para preservar a história
Possuir uma obra de arte em casa não é para qualquer mortal. Mas muitas famílias em Minas Gerais guardam peças antigas, repassadas por gerações, que precisam de certos cuidados para manter suas características originais. É aí que entra a arte da restauração.
O restauro é um ofício que exige muita dedicação. Além de ser um trabalho lento e demorado, é preciso pesquisar, escolher os materiais e as técnicas corretas para revitalização de cada peça. Só assim, a obra será reparada em sua essência e não sofrerá qualquer tipo de interferência que a descaracterize de sua produção primária e original.
Um dos restauradores mais conhecidos em Passos, no Sudoeste de Minas, é o artista Maurício Ponsancini, que trabalha com restauração há cerca de 30 anos (confira áudio). Atualmente, ele restaura qualquer tipo de peça: de pequenos objetos a móveis antigos, principalmente cristaleiras, cadeiras, relógios de parede, quadros, etc .
Em seu movimentado ateliê, é possível voltar ao passado observando as peças que ainda estão por restaurar. “A procura pela restauração hoje é imensa. Você percebe a diferença de 30 anos atrás. As peças antigas têm valor sentimental para muitas pessoas, que começaram a perceber que têm uma relíquia dentro de casa”, disse Ponsancini, que despertou para as artes ainda jovem com a pintura e o desenho.
Ele já atendeu famílias da região e cidades maiores, como Belo Horizonte e Campinas (SP), incluindo restauro de altares e peças de igrejas. Imagens sacras portuguesas do século 19 já estiveram nas mãos do artista autodidata, mas que estuda e pesquisa muito sobre a restauração.
“A fonte do meu trabalho é sempre a busca do conhecimento para usar várias técnicas de restauro. As peças chegam muito danificadas e descuidadas, mas quanto mais danificada a peça para mim, melhor, porque no trabalho que executo você vê a volta da peça como ela era. Uma das coisas mais bonitas na restauração é preservar a história de cada objeto”, afirmou Ponsancini.
Tanto é que o artista pesquisa a época e estilo de cada objeto para avaliar as técnicas a serem utilizadas para o restauro. O trabalho pode durar de uma semana até seis meses, dependendo do estado de conservação de cada peça e a busca pelas suas características, como no caso da pigmentação.
O restaurador lembra que já trabalhou em obras de pintores famosos, como o modernista Cândido Portinari (1902-1963). “Uma família de São Sebastião do Paraíso chegou com um floral danificado e assinatura apagada. Não tinha certeza, mas tudo indicou que era um Portinari. Fiz a restauração e depois ligamos para a Fundação Portinari. Isso foi há uns 8 anos. Não sei o que aconteceu com o quadro, pois não tive mais contato com a família”, contou.
Outro quadro apareceu no ateliê de Ponsancini há uns 6 anos, com toda indicação de ser um trabalho de Di Cavalcanti (1897-1976), artista brasileiro que também se destacou no estilo modernista.
“A pintura era uma mulata da série de Di Cavalcanti. Um homem vindo de Delfínópolis trouxe a tela e contou que estava abandonada no galinheiro de uma fazenda. Fiz a limpeza com todo cuidado, sem mexer muito na pintura porque temos a responsabilidade de não interferir na obra. Depois, não tive mais contato, mas orientei para que procurasse a Fundação Di Cavalcanti. No dia a dia, temos muitas histórias e surpresas por causa da arte”, contou Ponsancini. Confira abaixo o antes e depois de peças restauradas pelo artista.
Comparação de cadeira de madeira e palhinha recuperada por Ponsancini; à direita, como a peça chegou e à esquerda, ela já restaurada - Fotos: Arquivo pessoal Ponsancini
Antes e depois de tradicional cristaleira trabalhada em madeira dos anos de 1950 de uma família de Passos
Escrivaninha em estilo xerife, da década de 1940, foi toda restaurada, pois partes estavam destruídas, como no caso da tampa sanfonada
Comparação de cadeira de madeira e palhinha recuperada por Ponsancini; à direita, como a peça chegou e à esquerda, ela já restaurada - Fotos: Arquivo pessoal Ponsancini
O restaurador e artista José Paiva tem experiência na área há mais de 30 anos, sendo 15 deles em Passos. Desde criança, foi atraído pelas artes em geral, principalmente desenho, e depois se interessou pela restauração de obras de arte. Após fazer cursos na área, trabalhou em antiquários, galerias e igrejas em Santos, Campinas e São Paulo.
Ouça áudio do artista abaixo, explicando sobre o conceito de restauração. Hoje, ele percebe que muitas famílias da região têm maior preocupação em recuperar peças antigas.
“Em cidades grandes, há um mercado de arte que enfatiza o valor histórico e econômico da peça. Aqui, as pessoas têm um valor afetivo, de ligação com determinada obra para dar continuidade a gerações futuras”, disse.
Paiva já chegou a restaurar uma coleção de vasos de cerâmica da Grécia Antiga quando atuava em São Paulo. Hoje, atende uma clientela que solicita recuperação de quadros, molduras, porcelanas e imagens sacras do século 20. “Muitas pessoas se contentam em possuir a peça, mas muitas já despertam para essa ideia de conservação e restauração das obras”, avaliou.
Conforme ele, o tempo de trabalho depende do estado geral da peça, bem como o que vai ser restaurado, seja para reconstruir partes ou apenas dar os reparos necessários para reavivar o objeto.
“Já peguei imagem de uma Nossa Senhora de madeira com várias camadas de repintura. Foram 8 meses de trabalho para chegar à pintura original. É preciso recuperar a pintura para fazer a leitura completa da peça”, lembrou. “Sigo duas linhas de trabalho: a italiana e a francesa, dependendo do tipo de serviço a ser feito e o que o cliente quer. Mas a maioria das pessoas tem dificuldade em entender que um fragmento tem seu valor artístico e histórico e deve ser conservado. A maioria quer refazer a peça por inteiro”, disse.
Como artista, Paiva também trabalha com réplicas, pois possui no seu acervo um espelho bisotê em estilo rococó francês, cópia de um colecionador de São Paulo, e anjos decorativos, que são cópias dos originais em madeira restaurados numa fazenda de café em Campinas na década de 1990.
Os donos das peças autorizaram as réplicas em resina e ornadas com folhas de ouro. Atualmente, ele trabalha no restauro de um relógio de madeira e de parede, da década de 1930.
Paiva dá algumas dicas para quem possui peças artísticas em casa, mas que descuidam de sua conservação. Fungos, traças, manchas, furos, rachaduras, verniz oxidado, que escurece a tinta com o tempo, são algumas das avarias mais comuns que podem danificar toda a obra a curto e longo prazo.
“Se você tem uma peça antiga, observe o local, a umidade, a luz que incide na peça. É sempre bom olhar, monitorar e limpar a seco. Se aparecer algum estrago, já é hora de restaurar”, explicou Paiva. Veja abaixo peças sob o restauro de Paiva.
Antes e depois da restauração feita por Paiva em crucifixo do final do século 19, no qual refez pintura e detalhes que não mais existiam, como a coroa de espinhos - Fotos: Arquivo pessoal Paiva
Retrato dos anos 1940 feito em crayon e vidro bombé original; peça estava trincada, com perdas do desenho original e madeira corroída por cupins
Quadro em óleo sobre tela, sem data e de coleção particular em que a pintura apresentava descolamento e perdas; restauração incluiu nova estrutura e pintura, além de retoques nas manchas
Antes e depois da restauração feita por Paiva em crucifixo do final do século 19, no qual refez pintura e detalhes que não mais existiam, como a coroa de espinhos - Fotos: Arquivo pessoal Paiva