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ESPECIAIS

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Reportagem e edição: Keuly Vianney | n.noticiar@gmail.com | 13/02/2022

Médica passense pesquisa relação entre nevoeiro mental e Covid-19

Dificuldades de concentração, esquecimento e lapso de memória são apenas alguns sintomas relatados no pós-Covid-19 nesses dois últimos anos de pandemia. Essas queixas específicas já têm nome: nevoeiro mental, que mereceu uma pesquisa por parte da médica passense Luciana Clark. A oncologista formada pela Universidade de Campinas (Unicamp), mas que reside em Nova York desde 2019, realizou um trabalho preliminar que pode servir para direcionar uma pesquisa formal no futuro sobre os impactos do novo coronavírus na saúde mental.

 

Conforme a médica, ainda não há estudos concretos sobre a relação da ômicron e o nevoeiro mental, pois a variante ainda é muito recente, mas as doenças mentais causadas pela pandemia já acendem o sinal de alerta para esta sequela da Covid-19. “Vale lembrar que a própria situação da pandemia nesta terceira onda, o cansaço mental e a sensação de burnout não apenas dos profissionais de saúde, mas da população em geral, colaboram para o aumento de casos de ansiedade e depressão que, por si só, já cursam com alterações cognitivas”, diz.

A passense ressalta que essas alterações podem persistir por meses após a fase aguda da doença, impactando negativamente na qualidade de vida e produtividade das pessoas.

 

“Claramente será necessário que os sistemas de saúde, tanto o público quanto o privado, se adequem para uma demanda aumentada por parte deste pacientes. E aí vale a pergunta: na nossa cidade, o sistema de saúde está preparado para essa tsunami de pacientes que vão buscar ajuda médica? O que está sendo feito neste sentido?”, questiona (leia áudio abaixo enviado ao Noticiar.net no qual Luciana explica sua pesquisa e a relação com o nevoeiro mental).

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Mais comuns

A pesquisa da passense ocorreu entre abril e maio de 2021, quando o Brasil chegou aos 15 milhões de casos de Covid-19 e os relatos de nevoeiro mental se tornaram mais comuns. Recentes revisões da literatura médica apontam que podem existir mais de 50 tipos de sequelas da doença, sendo as alterações cognitivas a terceira mais citada, perdendo só para fadiga e dor de cabeça (veja números abaixo).

O interesse pelo tema surgiu depois de Luciana ouvir um relato de um parente infectado pelo novo coronavírus que começou a apresentar alterações de memória. “Foi justamente depois de ouvir um relato deste parente que senti a necessidade de ouvir mais histórias e entender o que estas pessoas estavam sentindo. Como muitas famílias brasileiras, a minha também foi afetada pela Covid-19. Felizmente, não tivemos nenhuma vítima fatal, mas isso não que dizer que a doença não deixou sequelas”, explicou a médica, que também é mestre em jornalismo científico pela Unicamp com artigos publicados em periódicos de ciência.

SEQUELAS MAIS COMUNS DA COVID-19

58%

Fadiga

44%

Dor de

cabeça

27%

Alterações cognitivas, como nevoeiro mental

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25%

Queda de cabelo

24%

Falta de ar

Fonte: pesquisas Luciana Clark

Nas conversas com os familiares, ela notou queixas que a levaram a procurar mais informações sobre o que tem sido chamado na literatura médica de long-term Covid ou long haul Covid, a denominada Covid longa. “Esse termo define aqueles pacientes que semanas, ou mesmo meses, após a infecção pelo coronavírus ainda apresentam queixas que tinham durante a fase aguda da doença ou que desenvolveram novos sintomas. Mesmo pacientes assintomáticos durante a fase aguda da Covid podem apresentar sequelas tardiamente”, afirma.

 

A partir daí, ela montou sua própria estratégia de pesquisa, pois fez o trabalho de iniciativa própria sem ligação com instituição de ensino. Luciana criou um questionário e solicitou aos seus contatos para que encaminhassem a pessoas com diagnóstico laboratorial de Covid-19 que se queixaram de alterações cognitivas e se interessavam em participar do levantamento. 

Em pouco tempo, ela já tinha detalhes de 15 casos e começou a coletar os dados do projeto-piloto. “Deixo claro que este não foi um estudo clínico formal, apenas um questionário exploratório cujo objetivo é gerar hipóteses. Esta é apenas a minha colaboração para amplificar e tornar pública, com a devida autorização dos participantes, as vozes destas pessoas, pois elas podem mostrar para um leitor ocasional que ele não está só, que seus sintomas não são imaginários e que a partir desta conscientização é possível buscar ajuda”, informa a médica.

Luciana lembra que o nevoeiro mental não é uma exclusividade da Covid-19, tendo já sido relatado na literatura médica e descrito após pandemias e epidemias virais, como a gripe russa (1889-1892), a temida gripe espanhola (1918) e após surtos de poliomielite nos anos de 1930 a 1950.

Saiba principais resultados do levantamento

Em Nova York, Luciana desenvolveu a pesquisa com apps de mensagens, áudio e vídeo para se comunicar com os pacientes no Brasil, que autorizaram divulgação das informações desde que seus dados pessoais fossem mantidos em sigilo. Ela conseguiu reunir vários depoimentos e experiências e os separou em grupos de casos mais comuns entre os pesquisados, desde esquecimento de palavras e atividades do cotidiano e trabalho até deslocamentos corriqueiros.

 

“Mais do que mensurar números, objetivo principal era coletar as falas e as experiências pessoais de cada um destes pacientes e divulgar estas histórias para o público em geral. Os sintomas de nevoeiro mental apareceram já nos primeiros 30 dias após a Covid-19 em 67% dos casos, porém um dos pacientes só notou alterações cognitivas 8 meses depois da fase aguda”, conta.

Outro dado interessante: no momento em que todos os participantes ainda se mantinham sintomáticos, o caso mais recente de Covid tinha ocorrido há 4 meses e meio e o mais antigo, há 14 meses. “As pessoas têm a impressão que apenas nos casos mais graves pode haver este tipo de sequela. No entanto, 86% destes pacientes não foram internados por Covid, mas tiveram casos leves ou moderados tratados em casa ou ambulatório. Foi interessante notar que entre pessoas com antecedentes tão distintos, morando em diferentes regiões do país, algumas queixas se repetiram quase que literalmente”.

 

Sinal de nevoeiro

Se você teve Covid-19 e nota sintomas como piora da memória, esquecimento de palavras e nomes, falta de concentração ou mesmo um pensamento confuso ou mais lento, que estão impactando negativamente na sua vida, pode ser sinal de nevoeiro mental. Para a oncologista Luciana Clark, o mais indicado é procurar um médico.

“Existem testes que servem para avaliar a função cognitiva e, além disso, uma avaliação clínica completa após a Covid-19 pode detectar outras sequelas que são muito comuns, como fadiga, cansaço, alterações persistentes de olfato e paladar, tosse, arritmias, insônia e depressão. Ainda que não exista um tratamento específico para o nevoeiro mental, existem alguns medicamentos que podem melhorar a concentração (mas somente devem ser utilizados sob prescrição médica) e intervenções que já são preconizadas para melhorar a memória e o bem-estar em geral”, diz a médica.

Dentre eles, ela destaca exercícios aeróbicos, dieta saudável, evitar álcool e drogas e praticar atividades que estimulem a cognição, como leitura, palavras-cruzadas e quebra-cabeças.

Veja abaixo as queixas mais comuns com frases dos participantes da pesquisa da médica passense Luciana Clark, variando a faixa etária: 

Esquecimento de palavras e nomes

Essa foi uma das queixas mais comuns entre os pacientes: eles sabiam o que queriam dizer, mas as palavras, muitas de seu uso corriqueiro, simplesmente desapareciam da cabeça. O mesmo acontecia com nomes próprios de pessoas que faziam parte do cotidiano delas.

-“O que mais tem me incomodado é o esquecimento. Na maioria das vezes, esqueço alguma palavra quando vou falar. Vou tentando lembrar, me esforçando. Aí, às vezes, dá certo. Eu lembro. Mas muitas vezes não resolve e substituo a palavra”, S.F., 60 anos

 

-“A falta de concentração e o esquecimento ocorrem  na comunicação oral, quando as palavras mais corriqueiras me fogem e preciso fazer um esforço para encontrá-las. Também me esqueço de coisas de que acabei de falar. Por exemplo, eu pergunto algo para o meu esposo e quando ele me responde, eu estou pensando em outra coisa e nem me lembro mais do que perguntei”, C.G., 52 anos

 

-“No começo cheguei a ter medo dos sintomas de esquecimento porque já tive parentes com Alzheimer e eu fiquei achando que estava com a mesma coisa, de tão complicada que estava a minha vida por causa disso, porque nunca havia ouvido falar desse nevoeiro mental” A.I., 43 anos

 

-“Depois do Natal, precisei passar pela prova oral para a seleção de doutorado e aí vi que estudava, lia textos e 2 minutos depois eu nem me lembrava o tema do texto. Para a prova oral do doutorado, precisei colar textos impressos para lembrar do que tinha que falar e, mesmo assim, me esquecia no meio da frase do que eu estava falando”,  G.T., 40 anos

Alfabeto

Piora da concentração e impacto no trabalho

 

É marcante o impacto negativo que essa piora na memória e na capacidade de concentração tiveram na produtividade dos participantes, incluindo profissionais experientes. A maioria destas pessoas está na fase mais produtiva de suas vidas e todos estão temerosos do impacto desses novos sintomas que a Covid-19 deixou em suas vidas.

 

- “A falta de concentração afetou a minha produtividade no trabalho, porque eu lia uns três ou até mais artigos sobre o que eu tinha de escrever e agora leio um e se for grande até divido em duas ou três leituras; aí paro de ler, faço outra coisa e depois volto, ou seja, demoro muito mais pra escrever uma peça do que demorava antes”, J.H., 62 anos

 

-“Fui promovida em janeiro, logo depois de ter pego Covid, fiquei me sentindo pressionada a corresponder ao desafio no trabalho. Para me ajudar, passei a anotar todas as demandas e assim, poucas pessoas perceberam minhas falhas”, G.F., 35 anos

 

-“No trabalho, o que eu demorava 5 minutos para fazer, agora eu demoro 15. Eu leio um artigo, releio, leio pela terceira vez e parece que não entra na minha cabeça, principalmente se tiver muita gente ao redor ou barulho no ambiente. E antes eu conseguia trabalhar normalmente no meio do caos e agora eu não consigo me concentrar”,  E.P., 48 anos

 

-“No trabalho, eu ia pegar algum documento e quando me dirigia ao local que estavam guardados eu esquecia qual era o documento que eu estava precisando. Precisava dar alguma informação relacionada ao trabalho, ou eu esquecia qual era a informação ou esquecia pra quem era a informação, tinha que verificar o que realmente iria fazer mais de uma vez”, L.T., 25 anos

 

-“Eu continuo com muita dificuldade de concentração e certa resistência para começar uma tarefa que sei que vou precisar me esforçar muito para conseguir terminar, como um texto longo por exemplo. Fiquei com certo trauma de começar coisas simples e não conseguir terminar. Ainda não está fácil ler e reter informações, preciso anotar absolutamente tudo. Fico adiando as tarefas até o último minuto. Pânico de computador, de ligar o computador e perceber que não dou conta de fazer as coisas como antes fazia.... Estou com medo!”, G.T., 40 anos

Cérebro

Dificuldade com trajetos

 

Uma queixa comum entre os participantes foi a dificuldade em realizar trajetos de carro. Essa é uma atividade complexa, que requer planejamento prévio e o uso de diferentes habilidades motoras e cognitivas. Então quando você ouve de uma pessoa que é professora há décadas na mesma universidade, que ela não consegue mais chegar ao local de trabalho sem utilizar um mapa... é um choque.

 

-“Eu conheço a região como a palma da minha mão. Estava em outra cidade e não conseguia planejar o caminho de volta pra minha casa. No meu cérebro, de determinado ponto em diante não havia o percurso que eu pudesse pegar. Saindo daquele ponto eu teria que passar por várias cidades e tive dificuldade de pensar no caminho que teria que pegar. Isso ficou uns 10 minutos martelando minha cabeça até eu conseguir”, A.I., 43 anos

 

- “Saio de casa dirigindo sabendo que eu tenho que passar nos locais, A, B e C. Passo no local A e no C e só lembro que precisava passar no local B quando chego de volta em casa. Durante o trajeto, começo a divagar e se passam vários minutos nos quais eu estou dirigindo, mas sem prestar qualquer atenção ao caminho ou ao ambiente ao meu redor”, J.V., 23 anos

 

-“Cheguei a esquecer direções, caminhos e me perder na cidade onde moro há anos”,  C.L., 48 anos

 

-“Estou tendo que usar aplicativos e mapas pra ir a lugares que eu sempre fui antes. Estava atribuindo isso ao fato de ter ficado um ano em isolamento, mas agora acho que pode ser uma sequela da Covid”, A.C., 61 anos

Viagem em família

Esquecimento nas atividades do dia a dia

Alguns tipos de esquecimento, como colocar açúcar no feijão ao invés de sal, podem ser até motivo de piada, mas quando o paciente começa a não lembrar se tomou ou não o medicamento que faz parte da sua rotina há anos, aí se torna um risco muito grande, principalmente quando a falta do medicamento pode ter consequências imediatas, como no caso do tratamento do diabetes.

 

- “Estou estudando e me levanto para pegar minha garrafa de água que está no outro cômodo; quando chego lá, não sei o que fui buscar. Fico olhando todos os objetos do cômodo tentando me lembrar até que vejo a garrafa e a memória volta. Já ouvi várias pessoas reclamando disso, mas eu não era assim antes de ter a Covid”, J.V., 23 anos

 

-“Saio para buscar um objeto, aí no meio do caminho invento de fazer outra coisa, aí depois de um tempo, lembro que não peguei o que queria. Outra coisa que não acontecia, é que tomo remédio pra diabetes - um comprimido cedo e outro de noite - e eu nunca esquecia de tomar e principalmente se tomava lembrava, agora tem dia que tomo é depois fico em dúvida se tomei ou não”, J.H., 62 anos

 

-“Saio e esqueço o que ia buscar, esqueço panela no fogo, outro dia esqueci até qual era o carro que estava dirigindo, fiquei olhando pro painel e sem reconhecer que carro era aquele. Guardei o amaciante de roupas na geladeira, ia colocar sal no ovo frito e botei no café... diversas situações no dia a dia. Sempre fico na dúvida se já tomei o remédio, aí adotei o hábito de tomar sempre no horário da manhã, pra não esquecer”,  G.F., 35 anos

 

-“Durante as tarefas domésticas eu começo a fazer alguma coisa aí paro, esqueço o que eu estava fazendo e começo a fazer outra, como por exemplo, começo a varrer a casa, paro, vou forrar a cama, deixo pela metade, vou lavar a louça. Às vezes, termino colocando sal na comida mais de uma vez. Vou pegar alguma coisa no armário, ou guarda roupa e esqueço. Esses dias, estava tomando protetor gástrico, fiquei na dúvida se já tinha tomado ou não”, L.T., 25 anos

 

-“Tenho alguns lapsos em que a memória simplesmente some. É como uma ausência: não lembro o que estava fazendo 5 minutos antes”, C.L., 48 anos

Multidão com máscaras

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