ESPECIAIS
Nova safra de escritores de Passos revela talentos promissores
Reportagem: Keuly Vianney
n.noticiar@gmail.com
09/06/2024
E talentos surgem na nova safra de escritores em Passos, no Sul de Minas. Na cidade onde a cultura conquista adeptos no teatro, na música e na pintura, é na literatura que vão surgindo jovens com bons resultados em disputados concursos nacionais de contos, crônicas e, principalmente, de poesias. A expectativa é de que estes novos autores sejam boas promessas para escrever com criatividade histórias, livros e, quem sabe, viver da arte literária.
Em Passos, onde já existe a Associação Cultural de Escritores de Passos e Região, com autores amadores, e há vários nomes de referência na literatura, como os escritores Marco Túlio Costa, ganhador do Prêmio Jabuti 2004 na categoria infanto-juvenil, Alexandre Brandão, Antonio Barreto, Alexandre Marino e Gilberto Abreu, é promissor o caminho literário de jovens a partir da adolescência, como explica o professor de língua portuguesa, José dos Reis Santos.
O docente da E.E São José, que foi o homenageado da Feira Literária de Passos (FliPassos) em 2023, vem atuando como um tipo de headhunter (caça-talentos, na tradução do inglês) de escritores novatos nas escolas e os incentiva a participar de concursos.
"Muitos gostam de escrever poemas, contos, crônicas e pensatas, entre outros, embora não saibam exatamente que seus escritos pertençam a este ou aquele gênero literário. É aí que entra o papel de um professor de língua portuguesa e de literatura para orientar o aluno quanto à tipologia e aos gêneros textuais, bem como incentivá-lo a participar de concursos, o que pode estimular ainda mais o cultivo da leitura e da escrita", explica o professor.
Nos últimos sete anos, o professor já orientou e incentivou 15 alunos, com predominância das mulheres, a participarem de vários concursos, com resultados animadores das E.E São José, E.E. Dulce Ferreira de Souza e E.M. Hilarino Moraes.
Professor José Reis atua como caça-talentos de escritores nas escolas de Passos / Foto: Aluísio de Souza
Conforme o professor, os alunos que se destacam na escrita são justamente os que mais gostam de ler. "Isso demonstra que a leitura é a base da escrita, como bem disse o grande poeta gaúcho Mário Quintana. Mas, não dá para afirmar que todos vão continuar no caminho da literatura, chegando a publicar livros solo ou mesmo participando de antologias variadas, pois isso depende de uma série de fatores".
Observando esse cenário de conquistas literárias dos últimos anos, o Noticiar.net ouviu quatro jovens escritores de Passos que merecem atenção em sua produção textual e já participaram de concursos, garantindo bons resultados. Confira abaixo quem são e o que pensam esses talentos:
Adaílton Almeida de Sousa, 31 anos, escritor e advogado
Nos últimos 2 anos, Adailton foi selecionado em cinco concursos nacionais, teve oportunidade de publicar um livro e concorrer ao Prêmio Resistência. "Em 2023, publiquei meu primeiro livro solo, "Poesias Inusitadas", sem custos e firmei contrato de dois anos com a Editora A Arte da Palavra. Atualmente, a obra concorre ao Prêmio Oceanos de Literatura, de escritores de países de língua portuguesa", conta.
Em 2024, ele já teve poesias selecionadas no Concurso Literário de Viçosa (MG) por alcançar o 1º Lugar com o poema "Efeito agridoce". Adailton não gosta de planejar o futuro, apesar de já ter em mente o que mais deseja na vida. "O que ofereço ao futuro é o meu presente. No presente, estou comprometido com um amor bígamo: literatura e direito. Já adianto que não renuncio a nenhuma dessas paixões. Damo-nos bem nesse triângulo. Dedico-me, com satisfação, à carreira jurídica, por meio de constante estudo, e revigoro as forças na literatura", diz.
Adailton está prestes a lançar seu segundo livro, finalizado em abril. "Os originais foram enviados a três editoras. Me surpreendi com o resultado, pois foram madrugadas a fio dissecando algo que eu jamais imaginaria que pudesse ser desmembrado em letras", adianta.
Ele prefere não se enquadrar num único gênero literário, pois caminha por várias searas da escrita, sendo seus autores preferidos Clarice Lispector e Fernando Pessoa. "A meu ver, conceituar-se é, de certa forma, uma opressão à liberdade. E a arte é um “bicho solto”. Há dias que sou poesia, fico na plateia e observo o espetáculo da vida. Há dias que sou crônica, não consigo me desvencilhar do protagonismo cotidiano, porém sou salvo pelos detalhes insignificantes, que me provocam e se tornam grandes. Há dias que sonho... Então, feito sonâmbulo, visito a imaginação, conto histórias onde posso vestir qualquer fantasia. Talvez, ainda não sei, eu seja um romance não escrito", teoriza.
Indicação de leitura de Adailton Sousa: Todos os Contos, de Clarice Lispector / Divulgação
E não se esquece de que suas raízes e a família são os responsáveis pelo dom nato na literatura. "Há forças substanciais que me empurraram para que eu insistisse a caminhar pelas veredas das letras e a maior delas é composta por um homem analfabeto (meu pai) e uma mulher que estudou até o terceiro do ensino fundamental (minha mãe, falecida há quatro anos). Filho de pais nordestinos, que da terra tiravam o sustento de sua família, inicialmente a literatura a que tive acesso nos primeiros anos de vida, saíam de suas bocas histórias dos ancestrais e lendas, que me nutriam de imaginação e admiração. Meus pais analfabetos foram e sempre serão minha maior inspiração literária", considera.
Larissa Lorena de Jesus Silva, 33 anos, escritora, advogada, estudante de jornalismo, empreendedora e educadora social e cultural
Lorena se destacou em alguns concursos nos últimos dois anos, como o Alpas 21, da Academia de Artes, Letras e Ciência – A Palavra do Século XXI", instituição internacional com sede em Cruz Alta (RS), da qual ela é ingressante. A passense também já participou de três edições do Festival de Poesia de Lisboa, de Portugal, de forma remota, além de ser selecionada em antologias.
A jovem adianta que pretende lançar um livro solo, o que está agendado para 2025. "Não tenho o costume ainda de participar de muitos concursos literários. Talvez por escrever de forma mais intimista e intrapessoal. Mas gosto de estar em movimento, de forma a levar a importância da escrita, da leitura e da poesia para vários espaços, promovendo e participando de projetos culturais e literários", diz.
Larissa confessa que aprecia todos os gêneros literários, mas a grande paixão é a poesia, com Clarice Lispector sendo sua escritoria predileta. "Mesmo quando escrevo outros estilos, sem perceber, o texto sai com uma pitada poética. Assim como quando escrevo outros gêneros diferentes da poesia, Clarice sempre teve uma escrita poética em seus contos, crônicas e romances. A intensidade da autora é algo que me eleva e faz com que eu me sinta parte de um lugar, ainda que este lugar esteja em uma esfera metafísica, lírica e lúdica. É um “quando” e “onde” me reconheço como ser", afirma.
Como membro da Academia Internacional de Literatura Brasileira e da Associação Cultural de Escritores de Passos e Região, ela considera que a literatura a representa de corpo e alma, principalmente quando alguma poesia lhe vem à mente. E resume bem o que é ser poeta.
"É condição em ação e oscilações de eternas, internas e infinitas descobertas exteriorizadas pela arte da palavra", afirma. "Hoje, não saberia meu lugar no mundo se não fosse, principalmente, a poesia. Ser poeta é uma condição humana, das mais complexas, por sinal. Orgulho-me por possuir tal condição, que também é uma forma de resistência, de enxergar o mundo e tudo que nele existe e o que também não existe, mas que, com a ousadia de brincar com as palavras, ao mesmo tempo que externalizo sentimentos muitas vezes inomináveis e estranhos até de mim mesma, é possível se criar".
Indicações de leitura de Larissa: A hora da Estrela, de Clarice Lispector, e Meu quintal é maior do que o mundo, de Manoel de Barros / Divulgação
Evellyn Caroline de Oliveira Silva, 14 anos, escritora e estudante
A adolescente Evellyn já participou de alguns concursos, mas considera "Poeta Resiste", concurso nacional da Academia Teresopolitana de Letras, de Teresópolis (RJ), como seu melhor desempenho até hoje. A passense conseguiu um quinto lugar nacional na categoria jovem com uma poesia em 2023.
Devido ao estímulo, a jovem já faz planos para seu futuro literário. "Particularmente, tenho milhares de planos e ideias para meu futuro. E continuar escrevendo, e melhor, profissionalmente, é definitivamente uma das primeiras. Pretendo lançar livros, quadrinhos e, talvez, até um blog. Pretendo continuar com os concursos também, já que participar deles, é revigorante", diz. "A literatura me ajuda a respirar. Sem ela, provavelmente já estaria maluca. Às vezes, tudo o que precisamos é fugir dos problemas desse mundo e pegar problemas de personagens fictícios que quase sempre são resolvidos".
Ela sempre gostou de ler, iniciando com quadrinhos até chegar aos livros literários. Desde pequena, despertou interesse em conhecer novos mundos por meio da literatura. "O primeiro livro que me lembro de ter lido foi "Menina bonita do laço de fita". Eu sempre adorei esse livro. E foi minha primeira lembrança de leitura. O último livro que li foi "Romance real", um livro maravilhoso de bom", considera.
Sem cerimônias, enumera quais autoras gosta muito de ler e se espelhar, numa mistura de literatura brasileira e americana femininas: Marina Basso, Line Cunha, Casey Mcquiston e Clara Alves. "Eu gosto muito de romances e de fantasia. Mas eu também adoro desenhar e escrever quadrinhos", explica. "Meu amor é pela poesia. Não sou boa em contos, já que minha imaginação é grande demais para poucas páginas. Quanto mais escrevo, mais idéias chegam".
Indicação de leitura de Evellyn Silva : romance A Última Parada, de Casey McQuiston / Reprodução
Raquel Santos Maia, 24 anos, escritora e estudante de serviço social
Em 2023, a estudante Raquel já alcançou bons resultados em dois concursos da Editora Persona, o Metafísica do Eu e Desejos Profundos, nos quais ela foi selecionada com poesias.
Introspectiva, afirma que não possui referências exatas de escritores, mas define bem seu estilo literário: poético intimista e filosófico. Raquel conta que, por um tempo, manteve suas poesias fora de alcance de leitores, mas depois compreendeu que seus escritos poderiam ajudar não apenas ela própria, mas também outras pessoas.
Indicação de leitura de Raquel Maia: A Magia da Mitologia Celta / Reprodução
"Por tempos, mantive minhas poesias escondidas, sem entender que elas poderiam ajudar pessoas da forma como elas são, mostrar para os outros que ninguém está totalmente sozinho com os sentimentos que tem. Utilizo as minhas poesias como desabafo sobre tudo que já aconteceu comigo e na minha vida. Agora, percebo que todos também podem fazer isso, não apenas escrever, mas também se sentirem amparados por alguém", diz.
O início foi confuso, pois Raquel confessa que não era muito ligada à literatura, mas tinha facilidade na redação. Para exercitar a leitura e interpretação de textos, desde muito nova costumava e gostava de ler piadas. Tornou-se uma grande fã de mitologias.
Atualmente, ela entende bem o que a escrita representa em sua vida. "Pretendo lançar um livro e participar de mais concursos. A literatura é a porta aberta entre meus sentimentos e meu bem-estar. É através dela que renovo minhas energias e, por mais que meu gênero textual seja deveras triste, é ela que me acolhe, pois apenas a partir das minhas palavras eu tenho a capacidade de verbalizar o que antes era apenas interno", explica.
Algo em comum entre os novos autores: a escola pública
Além do dom para a escrita, os talentos ouvidos pelo Noticiar.net têm algo em comum: todos estudaram em escolas públicas, que entraram em descrédito nos últimos anos por falta de investimento do poder público, mas devem ser valorizadas pois são o pilar da formação da grande maioria dos estudantes brasileiros.
Evellyn Silva gosta de frisar que estudou em escola pública. "Meus professores sempre me incentivaram muito desde pequena sobre a escrita. Eu sempre gostei de escrever redações, sendo sempre fui muito incentivada", diz.
A adolescente escrevia, de início, letras de músicas, que, mais tarde, descobriu tratar-se de poesia. "Só descobri que escrevia poesia no sétimo ano, porque meu professor José Reis me disse que tinha talento. Já tenho até um livro publicado pela minha antiga escola, a E.M. Emília leal, "Uma fuga da prisão", com ilustrações e uma história que eu mesma criei", conta, orgulhosa.
Biblioteca
Toda a formação educacional do escritor Adailton Almeida foi calcada em escola pública: ensinos fundamental e médio na E.E. Nazle Jabur, direito na Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg) e, atualmente, curso de letras na Universidade Federal de Lavras (Ufla). Ele garante que esse caminho foi importante para chegar ao seu atual nível literário.
"Toda escola pública, apesar das dificuldades de estrutura, deve ter, pelo menos, uma biblioteca, sala de leitura ou algumas dezenas de livros. Ferramentas fundamentais, para que o aluno desenvolva o hábito de ler. A escrita em minha vida sempre andou de mãos dadas com a leitura e o ponto de partida foi a alfabetização. Meus pais não tinham condições financeiras de comprar tantos livros, porém sempre emprestava livros e clássicos na biblioteca da escola", conta, lembrando que participou de feiras literárias e concursos de redação em nível estadual.
Ele garante que esse hábito ajudou a alimentar a sua imaginação e vocabulário para se destacar nas aulas de produção textual. "Tudo isso fortaleceu o meu gosto pela literatura, que é uma excelente refeição para nutrir a criatividade. Sempre sugiro que comecem por um aperitivo, mais leve. No meu caso foram os quadrinhos, levou um tempo para apurar o paladar, até chegar ao banquete de Platão", afirma Adailton.
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Já Raquel estudou até o ensino médio na E.E. São José e, depois, finalizou o curso técnico de comunicação visual no Instituto Federal Sul de Minas, no campus de Passos. Considera que a formação nessas escolas públicas foram fundamentais para seu progresso literário.
"No final do ensino fundamental, já escrevia algumas histórias e narrativas, e no ensino médio compartilhava os textos com o professor de redação. Depois de um tempo parada, voltei a escrever em formatos de poesias em 2020", lembra.
Leitura
Larissa Lorena é outra estudante proveniente do ensino público, concluindo o fundamental e médio no Colégio Tiradentes de Passos. Para ela, a escola ajudou muito na parte da leitura. "Na época do colégio, os livros que mais me marcaram foram os da trilogia "O Estudante", de Adelaide Carraro. Na verdade, só descobri a escrita em mim depois de alguns anos. Sempre devaneava e criava contextos poéticos, mas não passava para o papel", relembra.
O interesse pela literatura veio aos 22 anos, um tempo depois de terminar a faculdade de direito na Uemg em Passos, mas entende que a escola tem sua parcela de contribuição no seu talento. "Por mais que eu goste muito da área jurídica, percebi que eu queria alcançar novos objetivos e descobrir novos universos. De certa forma, foi quando eu me encontrei. Sei que consigo escrever um pouco melhor por sempre ter lido na escola, principalmente, com as famosas provinhas do livro. A leitura é fundamental para uma boa escrita. E, em parte, escrevo por dom herdado: minha mãe sempre escreveu muito bem, inclusive poesia", diz.
O professor José dos Reis Santos acredita que o exemplo destes talentos podem ajudar na criação de um projeto que incentive e mantenha os estudantes da cidade ligados à literatura e outras áreas correlatas, como o desenho, design e ilustrações, que complementam a edição de uma obra literária.
"Se houvesse um projeto, mesmo que em nível municipal, para descobrir e estimular os jovens talentos para a escrita e também para o desenho, creio que teríamos um ganho extraordinário. A melhoria seria não apenas no domínio da escrita e do desenho, mas também na interpretação de textos, na compreensão de outras disciplinas e, até mesmo, num melhor desempenho em suas futuras profissões. Sem dúvida, isso teria grande importância para o desenvolvimento da nação, a médio e a longo prazos", avalia.